sexta-feira, 3 de junho de 2011

TREM SALVA JUDEUS EM ROLÂNDIA DO EXTERMÍNIO

CERCA DE 80 FAMILIA SÃO SALVAS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

Uma ferrovia no norte do Paraná salvou do extermínio nazista 80 famílias de judeus alemães. Quantas pessoas sabem disso? Duas teses acadêmicas haviam sido publicadas sobre o assunto. Mas essa história grandiosa, épica, repleta de aventura, permanecia pouco divulgada. Foi o que chamou a atenção, sete anos atrás, do escritor e jornalista Lucius de Mello. Ele percebeu que a saga da Ferrovia São Paulo-Paraná merecia um caprichado tratamento jornalístico ou até mesmo serviria de enredo para um romance. Acabou juntando as duas vertentes. Assim, pesquisou durante quatro anos para escrever o romance A Travessia da Terra Vermelha - Uma Saga dos Refugiados Judeus no Brasil, publicado pela Editora Novo Século. "Guardadas as proporções, é uma espécie de Lista de Schindler", compara Lucius, autor da biografia Eny e o Grande Bordel, do romance Mestiços da Casa Velha Na década de 1930, ao mesmo tempo em que o nazismo se fortalecia na Alemanha, os ingleses investiam no então ainda despovoado norte do Paraná. Estavam impressionados com a fertilidade da "terra roxa" da região. Dessa aproximação, surgiram a cidade de Londrina, a Ferrovia São Paulo-Paraná e, também, o acordo para trazer os refugiados judeus ao Brasil.

"Foi uma operação triangular", conta Lucius. "A partir de 1933, com a interferência de Johannes Schauf, um deputado alemão não-judeu, os judeus compravam peças de uma indústria alemã para a ferrovia, faziam com que chegassem aos ingleses e, em troca, recebiam títulos de terras em ROLÂNDIA, onde vieram morar."

ROLÂNDIA, a 10 km de Londrina, nem constava do mapa. Tampouco dispunha de luz elétrica. Ainda hoje, não vai além dos 46 mil moradores. Na década de 1930, o lugarejo recebeu judeus de formação urbana, vindos de Berlim, de uma hora para outra transformados em fazendeiros. É desses ricos personagens que trata o romance. "Eram profissionais liberais, um ex-ministro da República de Weimar, uma grande soprano, uma física de renome, entre muitos outros de nível cultural semelhante", lembra o escritor. "De uma hora para outra, naquele fim de mundo, havia, enfim, uma comunidade intelectual comparável à da capital paulista."

A adaptação desses personagens de extração urbana ao cotidiano rural criou situações insólitas. A soprano, por exemplo, batizou uma vaca com o nome Berenice, em homenagem à tragédia escrita por Jean Racine. Durante a ordenha, cantava uma ária de Madame Butterfly, de Puccini, por acreditar que a música auxiliava na produção do leite. Outro fato que demonstra a atenção dada à vida cultural pelos fazendeiros neófitos, já então afeitos à arte produzida no Brasil, foi a chegada a Rolândia de quatro quadros de Cândido Portinari, amigo de uma das famílias.

Para poder se aprofundar nos personagens, Lucius optou por nomes fictícios, embora as histórias sejam absolutamente reais. Durante a feitura do livro, o escritor pôde entrevistar quatro dos imigrantes originais, que viriam a morrer nesse meio tempo. Ao longo dessas conversas, eles se lembraram de fatos marcantes, como o movimento nazista no norte do Paraná, que, embora assustador, não chegou a causar danos físicos aos judeus de Rolândia. "Publiquei no livro fotos inéditas desses encontros", conta Lucius. Os descendentes dos refugiados não ficaram em Rolândia. Alguns estão na Alemanha, onde o escritor foi ouvi-los. Os demais espalharam-se pelo Brasil. Em Rolândia, sobraram apenas as fazendas, além de uma grande história de resistência e esperança, recontada com uma emocionante visão humanista. (FONTE: AMIGOS DE TREM)

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